domingo, 25 de outubro de 2009

Mais achas para a fogueira


José Saramago dá hoje mais uma entrevista, ao DN Artes, sobre a polémica em que está envolvido depois da publicação de Caim.
A entrevista é longa. As passagens para mim mais significativas foram estas:

As Cruzadas foram qualquer coisa que a Igreja devia pedir perdão! As Cruzadas, imediatamente idealizadas com esse absurdo de avançarem contra os inimigos aos gritos. Que sabem eles de Deus? Fiz essa pergunta a um teólogo há pouco tempo: o que é que sabem de Deus, afinal de contas? Não sabem nada, alguém um dia disse que Deus existe e depois os teólogos não têm feito outra coisa senão armar o andaime para que essa ideia se sustenha.

O facto religioso está aí, não se pode nada contra ele, e quando digo "acabar com as religiões", sou perfeitamente consciente de que isso não é possível. Mas a minha pergunta é esta: se crêem em Deus, crêem em um Deus. Portanto, até mesmo por respeito a ele, porque não se põem de acordo sobre uma palavra, simplesmente: paz? Paz entre as religiões.

(...) a confederação ibérica foi defendida no séc. XIX por muito boa gente como, por exemplo, Antero de Quental.

- Acha que este ataque imediato da Igreja foi uma tentativa de fazer um ensaio sobre a sua "cegueira" religiosa, ao afirmarem que é um livro unilateral?
- Porque é que dizemos cegueira religiosa? É uma cegueira que impede de ver a religião ou é a religião que cega as pessoas?

Tive a ingenuidade de supor que a Igreja Católica não se ia meter nisto, porque era o Antigo Testamento. Como digo, e eles não negam e as sondagens ou inquéritos confirmam, os católicos não lêem a Bíblia.

O que é que eu disse, afinal de contas?! Que na Bíblia há violência, crueldade, incestos e carnificinas? Isso não pode ser negado. Ainda que eu tenha chamado à Bíblia um manual de maus costumes, qualquer um o podia ter feito, porque é, efectivamente, o que é. Tudo quanto é negativo no comportamento humano está ali escrito.

Não nego a possibilidade de uma leitura simbólica [da Bíblia] , ou duas, ou três, ou quatro, ou cinco ou as que quiserem. Mas que as leituras simbólicas e o trabalho da exegese não sirva para fazer de conta que a letra não existe.

Logo na manhã seguinte já estavam todos alvoroçados a atacar-me! Apesar de terem uma experiência de séculos, podiam ser um pouco mais prudentes, mas são como os cãezinhos de Pavlov, reagem imediatamente ao estímulo. É lamentável.

Há que dizer que não invento nada, limito-me a levantar as pedras e ver o que está debaixo. Se acho que uma pedra merecia ser levantada, é, justamente, a do assassínio de Abel. E fi-lo.

(...) eu digo que Deus não é de fiar. O que é que se pode dizer de um Deus que depois de ter prometido a Abraão que se houvesse dez inocentes em Sodoma não queimaria a cidade e a queima? Podemos ter a certeza, qualquer um de nós, pobres seres humanos, que sabia - sem ir contar os inocentes - que havia inocentes: as crianças. Queimadas como os seus pais e mães, e tudo mais. O que é isso? Prometer e não cumprir?

Sem comentários: