quinta-feira, 2 de julho de 2009

Um grande "esforço"


Aqueles que estão à frente dos governos, das câmaras, das empresas de capitais públicos, gostam muito de dizer que fizeram "um grande esforço" em prol do povo e do seu desenvolvimento.
É algo que me irrita solenemente.
Um governo manda fazer uma ponte e diz que fez um grande esforço.
Manda fazer um hotel e diz que fez um grande esforço.
Manda fazer um porto e diz que fez um grande esforço.
Uma câmara asfalta um caminho e diz que fez um grande esforço.
Manda retelhar uma escola e diz que fez um grande esforço.
Não aumenta os ordenados de miséria e diz que fez um grande esforço ... de contenção.
E assim, por diante.
Esforçam-se a toda a hora para nos fazerem crer que estão sempre a fazer grandes esforços.
Para nosso bem, claro.
Isso irrita-me porque essa gente muitas vezes não faz ideia do que é fazer um grande esforço.
De certeza que não retiraram verbas dos seus generosos salários.
Não deixaram de andar nos melhores carros,de ir aos melhores restaurantes, de viajar para destinos exóticos.
Esforçaram-se afinal em quê?
As empresas, os concelhos, as ilhas não são de quem as governa.
Esses senhores que tanto se esforçam para o nosso bem, estão lá para servir e não para se servirem. E não têm nada que fazer um esforço. Trabalhem. Como todos os outros que trabalham. E o único esforço que devem fazer é para não terem um rei na barriga.
Este ponto de vista está implícito, de forma magistral, num pequeno livro de José Saramago
(O conto da ilha desconhecida) editado pela Assírio e Alvim por alturas da Expo 98.
O diálogo que se segue é entre um homem que foi pedir um barco a um rei para ir em demanda de uma ilha desconhecida.
Este excerto do conto de Saramago remete para o excelente poema de Vinicius de Moraes,
Operário em Construção. Afinal ninguém nos pode dar o que também é nosso.

- E vieste aqui para pedir-me um barco?
- Sim, vim aqui para pedir-te um barco.
- E quem és tu para que to dê?
- E tu quem és para não mo dares?
- Sou o rei deste reino e os barcos do reino pertencem-me todos.
- Mais pertences tu a eles que eles a ti
- Que queres dizer? - perguntou o rei inquieto.
- Que tu sem eles não eras nada, e que eles sem ti podem navegar sempre.

José Saramago, O conto da ilha desconhecida

1 comentário:

Tiago R. disse...

Um daqueles posts que são a razão de tanta gente vir a este blog.

Bravo, caro Fiat!